A ciência tem feito progressos na esclerose múltipla?

O primeiro caso de esclerose múltipla (EM) foi documentado em 1421. Depois disso, apenas em 1830 é que representações com imagens conseguiram começar a tentar descrever o que acontece às pessoas que sofrem da doença. Ainda que, estes anos todos depois, a EM continue a apresentar vários mistérios, a ciência avançou a um ritmo extraordinário, com progressos na esclerose múltipla tremendos que fazem dela um fator de esperança para doentes no mundo inteiro – como mostram, aliás, os mais recentes estudos e investigações. 

Décadas e décadas de inovação, não só sobre a doença, mas também sobre o funcionamento do sistema nervoso e imunitário, têm vindo a estabelecer um conjunto de mudanças na forma como se vê o cérebro, se chega ao diagnóstico e se tratam os sintomas. A prova disso é que: 

•    Há hoje mais medicamentos e outras terapêuticas a serem desenvolvidos especificamente para a EM do que alguma vez houve na história;

•    A EM é hoje mais facilmente diagnosticada e com uma rapidez que permite uma ação mais atempada com recurso a terapêutica que ajuda a diminuir a atividade da doença;

•    Fala-se muito mais de EM do que alguma vez se falou, o que significa que os sintomas acabam por ser mais escrutinados e mais estratégias para a melhoria da qualidade de vida dos doentes acabam por ser desenvolvidas;
 
•    Todos os dias, equipas de investigação estudam e identificam fatores de risco que podem aumentar a suscetibilidade à doença, o que dá pistas sobre formas de prevenção eficazes. 

Mas porque é que a investigação demora tanto tempo

Ainda assim, depois de tantos avanços, do ponto de vista do doente (ou até do cuidador, ou mesmo do profissional de saúde) a investigação pode parecer que demora muito tempo! Ainda que, hoje em dia, haja um repositório vasto (e público) das inovações tecnológicas na área da EM isso não é sinónimo de que as mesmas vão ter um impacto imediato nas vidas dos doentes. Uma leitura de um artigo que pode indicar uma descoberta importante, ou uma notícia promissora, podem estar ainda a vários anos de fazer parte da realidade. 

O conhecimento científico é mesmo assim. Mas é importante saber que isso acontece por vários motivos: 

•    A investigação faz-se por fases que podem ser duradouras – apenas quando uma fase está concluída, há possibilidade de se passar para outra;

•    A duração de cada uma das fases pode estar dependente de muitos participantes no estudo, testar esses participantes durante longos períodos de tempo e recolher muitos dados que possam garantir a segurança e eficácia dos métodos, resultados e tratamentos;

•    Por vezes, os resultados não são os pretendidos – estudos terminam por causa disso ou têm de ser redesenhados;

•    Muitas vezes, os estudos iniciam-se usando como objetos de estudo alguns animais. Pode acontecer que quando fazemos a transposição para os seres humanos os resultados são diferentes;

•    Depois da investigação, os medicamentos passam ainda por cadeias de aprovação muito rigorosas e, por isso, muitas vezes, demoradas também. Tudo para garantir a maior segurança possível na utilização dos fármacos! 

5 conquistas-chave para esse progresso 

Ainda assim, ao longo do tempo, várias têm sido as conquistas científicas na área da EM. E têm sido estabelecidos marcos importantes que nos ajudam a estar hoje mais perto da descoberta de uma cura. Sem estes progressos, os seguintes marcos não teriam sido possíveis e a vida de doentes, cuidadores e profissionais seria muito mais complicada ainda. 

Hoje em dia, as ressonâncias magnéticas são o exame de imagem preferencial para o diagnóstico da EM e para a avaliação da sua evolução. É o método que permite ver o cérebro de forma menos invasiva e mais sensível, sendo também usada para observações à medula espinal e outras partes do corpo. Usam campos magnéticos e ondas de rádio (não é radiação) que capitalizam o facto de o corpo humano ter muita água. A mielina que constitui os neurónios, e que está a ser destruída na doença, por exemplo, devido à sua composição, tende a repelir a água, o que quer dizer que neurónios danificados tendem a reter maior quantidade de água. Apesar de algumas limitações que hoje em dia se conhecem, a ressonância magnética continua a ser um aliado fundamental. 

Na EM as células do sistema imunitário atacam a camada protetora que reveste os neurónios. Esta camada, chamada bainha de mielina, quando destruída, torna difícil (ou mesmo impossível) a transmissão de mensagens que ocorrem ao longos das nossas vias neuronais. Felizmente, o cérebro tem uma capacidade natural para regenerar a mielina, através de um conjunto muito especial de células – chamadas células precursoras de oligodendrócitos. O problema é que percebemos que, à medida envelhecemos, essa capacidade vai ficando comprometida (e este tipo de células menos ativo) fazendo com que essa função de regeneração fique aquém do necessário. A descoberta das células precursoras de oligodendrócitos trouxe-nos novas informações para compreender a forma como o organismo é capaz de reparar as lesões provocadas pela EM, podendo, de futuro vir a explorar formas de melhorar ou aumentar esta reparação.

Os fatores genéticos são importantes no que toca ao risco de vir a desenvolver esclerose múltipla, embora não sejam preditivos a 100% do risco de desenvolver EM. Desde a descoberta de genes capazes de aumentar esse risco, outros têm vindo a ser descobertos. Recentemente, um estudo apresentando na conceituada revista Science identificou um total de 233 variações no genoma humano que são comprovadamente fatores de risco para o surgimento da doença. Isto é fundamental para que se consiga perceber, no futuro e caso a caso, a probabilidade que cada pessoa tem de vir a desenvolver a doença por forma a atuar atempadamente. 

O exercício físico é uma estratégia clara de reabilitação para pessoas com EM. Ajuda a gerir melhor os sintomas, a restaurar as funções motoras, melhora a qualidade de vida e promove o bem-estar geral – além de que, claro, e ainda para mais numa doença com uma forte componente de isolamento social, favorece as atividades em grupo. Numa população em que o exercício físico é menos recorrente (dados que não se têm vindo a alterar nos últimos 25 anos) é importante que cada vez mais trabalhos científicos venham a ser desenvolvidos com vista a colocar o exercício na ordem do dia de qualquer doente com EM.  

As células estaminais têm sido uma das mais promissoras áreas de investigação na EM. Seja no seu papel na restauração da bainha de mielina, seja no desenvolvimento de um sistema imunitário que não ataque as células estaminais e que permita o recurso às mesmas, alguns estudos têm apresentado resultados muito interessantes. Um estudo recente, por exemplo, mostra resultados promissores na utilização de quimioterapia para “destruir” o sistema imunitário deficiente e repô-lo através de células estaminais precursoras de um sistema saudável. Por outro lado, a utilização deste tipo de células para a renovação de neurónios destruídos pela EM é também uma via interessante de tratamento que tem vindo a ser explorada. 

Em resumo, têm sido feitos inúmeros progressos ao longo dos anos e nunca a ciência foi tão rápida e avançada, quer na publicação de novos estudos, quer na partilha do conhecimento ou nas ferramentas que tem à sua disposição para o pôr em prática. Por isso mesmo, a promessa de novos tratamentos para a EM nunca foi tão grande e real. Mantenha-se, por isso, atento e informado acerca dos novos desenvolvimentos que todos os dias levam a doença para diferentes territórios. 

1. National Multiple Sclerosis Society. Research, News & Progress: https://www.nationalmssociety.org/Research/Research-News-Progress
2. Multiple Sclerosis Trust. How MS research works?: https://www.mstrust.org.uk/about-ms/ms-research/how-ms-research-works#why-does-research-take-so-long
3. Multiple Sclerosis News Today. Magnetic Resonance Imaging (MRI) and MS Diagnosis: https://multiplesclerosisnewstoday.com/multiple-sclerosis-diagnosis/mri-magnetic-resonance-imaging/
4. Bakshi, R MD et al. MRI in multiple sclerosis: current status and future prospects: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2586926/
5. MS Society. Can we reprogram myelin making cells to improve regeneration?: https://www.mssociety.org.uk/research/explore-our-research/research-we-fund/search-our-research-projects/reprogram-myelin-cells
6. European Scientist. Multiple sclerosis research shows progress: new knowledge about disease mechanisms: https://www.europeanscientist.com/en/public-health/multiple-sclerosis-research-shows-progress-new-knowledge-about-disease-mechanisms/
7. Motl, RW et al. Exercise in patients with multiple sclerosis: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28920890
8. EuroSteamCell. Multiple sclerosis: how could stem cells help:? https://www.eurostemcell.org/multiple-sclerosis-how-could-stem-cells-help
9. International Multiple Sclerosis Genetics Consortium. Multiple Sclerosis Genomic Map Implicates Peripheral Immune Cells and Microglia in Susceptibility. Science. 2019; 365(6460).
10. Internacional Multiple Sclerosis Genetics Consortium, et al.  Risk Alleles for Multiple Sclerosis Identified by a Genomewide Study. 2007. N Engl J Med. 357(9):851-62.